Com mais de 400 trechos rodoviários atingidos pelo desastre de maio, o Rio Grande do Sul começa a recuperar a infraestrutura danificada. Especialistas em obras públicas analisam as providências para que a reconstrução de pontes e estradas considere a nova realidade climática e torne as estruturas mais resistentes.
Entre engenheiros, é consenso que o primeiro passo para a reconstrução resiliente é incorporar os dados da enchente de maio nas médias históricas de vazão de rios e de volume de chuvas. Em muitos lugares, o nível alcançado pela água também passará a ser o referencial histórico para as obras, em um parâmetro chamado oficialmente de período de retorno. Esse indicador aponta qual o intervalo estimado de ocorrência do maior fenômeno natural registrado na região em que a obra é executada.
— As últimas chuvas elevaram a estatística. Se para uma região o máximo era de 100mm de chuva, agora é de 130mm — explica Rafael Sacchi, presidente do Sicepot-RS, entidade que representa as empresas da construção pesada.
As últimas chuvas elevaram a estatística. Se para uma região o máximo era de 100mm de chuva, agora é de 130mm.
RAFAEL SACCHI
Presidente do Sicepot-RS, sindicato que representa as empresas da construção pesada.
No final de maio, o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS emitiu uma nota técnica recomendando que projetos de infraestrutura de grande porte sejam “adaptáveis e flexíveis”, de forma que, conforme a necessidade, uma ponte possa ser alargada ou a cota de uma barragem ser ampliada.
O documento também sugere que esses projetos considerem a maior cheia do histórico, independentemente do período de retorno adotado.
— Cada projeto foi feito em sua época, com dados pluviométricos de comportamento de rios e cheias existentes. Os projetos não estavam errados, mas agora temos outros dados — pondera a engenheira Nanci Walter, presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RS).
Para o engenheiro e consultor Luiz Afonso Senna, que foi coordenador do Plano Estadual de Logística e Transportes, a revisão dos estudos implicará na necessidade de elevação da altura de pontes e rodovias para suportar volumes de água crescentes:
— Estamos falando de trechos, não de uma rodovia inteira. Em alguns casos, cinco ou 10 quilômetros, ou até menos que isso.
Cinco possíveis soluções
Confira diferentes medidas citadas por engenheiros para ampliar a resiliência de estradas e pontes reconstruídas no RS.
Mudança de parâmetros
Os novos projetos de obras precisarão levar em conta os registros de precipitação da enchente de maio. Tanto nos casos em que o volume de chuva e a vazão de rios atingiram novo recorde, quanto na incorporação dos números nos cálculos de média histórica de chuva para a época do ano.
Elevação de pontes
Travessias que foram levadas pela enxurrada precisarão ser reconstruídas em um nível mais alto em relação ao rio, evitando que sejam atingidas em novas enchentes. Em muitos casos, isso demandará alargar o tamanho da ponte, em extensão que pode variar dependendo da topografia e do desenho do projeto. Na prática, a extensão de uma ponte tende a ampliar o custo, mas essa variável depende do tamanho da intervenção e do modelo construtivo.
Contenção de encostas
Onde houve deslizamentos, será preciso reforçar as estruturas de encostas e criar barreiras de contenção para taludes. Em trechos pontuais, pode-se avaliar a alteração no traçado de uma rodovia.
Manutenção permanente
É recomendado ampliar contratos de manutenção e realizar fiscalizações mais frequentes, para evitar o plantio de árvores ou o surgimento de construções provisórias embaixo de pontes, que diminuem o espaço de vazão do rio.
Estrutura mais robusta
Trechos de rodovias também terão de ser alterados. Além da elevação da via, é recomendado que a estrutura de drenagem seja revista e que a base da estrada, composta de brita, areia e outros sedimentos, seja recuperada antes da implantação do novo asfalto.
Novas pontes serão mais elevadas
De acordo com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), os novos editais lançados pelo Estado para a reconstrução de pontes já contemplam as recomendações feitas na nota técnica do IPH. Além disso, preveem que as estruturas sejam erguidas ao menos 1,5 metro acima do ponto máximo em que a cheia pode chegar.
A elevação de pontes também está sendo adotada em obras federais, contratadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). É o caso da ponte sobre o Rio Caí entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis, na BR-116, que teve o pilar central deslocado pela correnteza. A nova estrutura será um metro mais alta que a anterior, terá 180 metros de extensão e 13 de largura e foi concebida sem pilar central, para aliviar a pressão da água. A ponte antiga tinha 145 metros de extensão e oito de largura.
O diretor-presidente do Daer, Luciano Faustino, diz que a primeira projeção já considera medidas necessárias para tornar mais resistentes os pontos específicos afetados pela enchente. O gasto maior da segunda conjuntura, explica, está ligado a soluções estruturais para a extensão integral das rodovias. Ele menciona como exemplo a RS-130, no Vale do Taquari, que precisaria ser elevada:
— A diferença é se eu trato apenas um trecho de três quilômetros ou se faço levantamentos ao longo dos 50 quilômetros da rodovia, para que nenhuma enchente a atinja em nenhum ponto. As soluções seriam as mesmas, a diferença é a extensão.
A projeção, entretanto, ainda é preliminar. Os especialistas ponderam que, para definir o custo aproximado de uma nova ponte ou da recomposição de uma estrada, é necessário projeto que leve em conta elementos como a topografia do lugar, as características da via e os materiais utilizados.
As empresas de construção civil tentam, por exemplo, convencer o governo a ampliar o orçamento para a reconstrução de pontes, para que seja possível utilizar estruturas de aço em vez do concreto armado. O custo seria cerca de 50% maior, mas as construtoras justificam que a medida poderia agilizar as obras e reduzir as perdas econômicas relacionadas à logística.
O consultor Luiz Afonso Senna pondera que é preciso considerar a disponibilidade de recursos.
— Temos de pensar na resiliência, mas não seremos a Noruega nem a Dinamarca no ano que vem. Temos de saber de onde vamos tirar o dinheiro — alerta.
Matéria publicada em GZH
Foto: Silvio Avila/AFP